Cansei um pouco de Crônicas e estou me aventurando um pouco em pequenos contos, Tá aí uma pequena amostra.
-
Tóóóbby?
Não estranhou
o fato de o cão não ter ido recebê-la em sua chegada naquele fim de tarde.
Geralmente ele já estava arranhando a porta desde o momento em que ela batia o
portão do pátio na entrada da casa.
Porém hoje
chovia muito, então era de praxe que seu companheiro estivesse encolhido,
tremendo em silêncio embaixo de sua cama no segundo piso da casa.
Tobby era um
cão de raça indefinida, uma mistura de poodle com basset, fora adotado pela
dona há vários anos – tantos que ela já perdera a conta – geralmente era
corajoso e brincalhão, mas definitivamente não gostava de chuva e de homens.
Provavelmente traumas que trouxe dos tempos em que vivia na rua. Bastava um
homem ingressar no jardim que começava a latir incessantemente.
- Tóóóbby?
Foi só chamar
mais uma vez que o cão veio em disparada em sua direção, quase se perdeu na
curva da escada entre um andar e outro. Lambeu-a como se ela estivesse ficada
uma década longe, como se não houvesse o amanhã.
Como era bom
chegar em casa após um exaustivo dia de trabalho, ainda mais em meio ao
temporal que caia na cidade. Não havia coisa mais horripilante do que ter que
pegar duas conduções para chegar ao trabalho em um dia em que as ruas estavam
completamente alagadas. Bastava uma gota de chuva cair no asfalto e as pessoas
automaticamente viravam ogros e perdiam o mínimo de cordialidade que possuíam
no trânsito, além é claro, de desaprenderem a dirigir.
Já fazia um
ano que largou o vício de usar o carro para ir ao trabalho, geralmente ia de
bicicleta, às vezes até caminhando. Mas com o temporal que caía na cidade a
única alternativa era a lotação disponibilizada municipal. Aliás, lotação sem
dúvida era o nome mais apropriado para o veículo, um ônibus com capacidade para
40 pessoas, mas que sem dúvida carregava 70 na melhor das hipóteses, em dia de
chuva então, cabia pessoas até as portas não fecharem mais.
Mas tudo isso
era passado e preocupação só para o próximo dia (isto é, se a chuva
continuasse). Chegara em casa, molhada, exausta, mas na expectativa de um banho
quente e de uma bela taça de vinho Cabernet Sauvignon chileno, talvez uma
garrafa.
Pendurou o
guarda-chuva atrás da porta, junto com seu pesado casaco para dias como esse,
tirou as botas molhadas e finalmente ingressou em seu seco e confortável lar,
na companhia de seu medroso e carinhoso cão.
Subiu as
escadas e já entrou em seu quarto parcialmente sem roupas (uma das vantagens em
se morar sozinha). O segundo andar de sua casa era dividido em três peças,
unidas por um longo corredor, logo ao sair da escada havia um quarto/escritório
(que com o tempo se tornou mais um depósito de tralhas), em seguida o único
banheiro da casa, um ambiente amplo, tendo nele uma bela banheira vitoriana com
aquecimento (utensilio esse que seria desfrutado com todo o prazer em poucos
minutos), e então, por derradeiro o quarto principal.
Logo que
entrou no quarto Tóbby correu para baixo da cama se proteger da chuva e das
trovoadas.
- Tudo bem
Tóbby, agora estou em casa pra te proteger. Enquanto falava levou a mão até o
escuro debaixo do móvel até a língua de seu cachorro a encontrar e a lamber. Um
ritual dos dois, quando estava protegido em seu esconderijo, de tempo em tempo
a dona levava a mão até embaixo da cama e seu animal apenas a lambia para
demonstrar que estava tudo bem, que nenhum dos dois estavam sozinhos na casa.
Após retirar
as roupas molhadas se dirigiu a peça ao lado, abriu a torneira da banheira,
ajustou o nível dos dois registros até a água sair na temperatura exata para o
banho. Jogou alguns sais, viu a espuma subir e desceu até a cozinha pegar o
vinho e uma taça para ter companhia durante o banho relaxante.
La fora a
chuva só aumentava, mais e mais. Só imaginava o inferno que seria ir trabalhar
no próximo dia.
- Esquece,
viva o momento, vou aproveitar o banho, meu vinho, um bom livro, o amanhã que
se dane. (sim, tinha a mania de conversar sozinha).
Esse era seu
momento preferido do dia. Era só ela e seu espírito inquieto, ali podia ser
quem realmente gostava de ser, abandonar qualquer convenção social, não tinha a
necessidade de agradar, bajular ninguém, era só ela e sua mente levemente
perturbada.
BAROOM! BARUUUMM – trovejava lá fora.
Ficava
imaginando quantas pessoas e quantos animais estavam lá, sem refúgio, se
escondendo sob marquises, sob abas de telhados, e até imprudentemente no pé de
árvores. Sábia que era privilegiada por ter um bom emprego, onde morar, que
deveria abandonar essa angústia que corroía sua alma, não tinha motivos para tê-la.
Mas a vida não
era tão simples, simples era vagar entre pensamentos bons e pensamentos
agoniantes num estalar de dedos. Não pertencia a esse corpo, a esse lugar.
Após horas de
molho na banheira, dois terços da garrafa de vinho a menos e vários capítulos
do livro deixados para trás, se levantou, enrolou-se em seu roupão, mais uma
vez checou como estava Tóbby (coitado, sofria em dias como estes), sentiu sua
língua dando sinal que ainda estava ali, que apesar do silêncio estava tudo
bem.
Desceu até a
cozinha, pegou uma lasanha pré-pronta do freezer, a preparou no micro-ondas –
sua mãe sempre lhe alertara do maleficio que esses alimentos industrializados
faziam ao corpo, que isso um dia ia matá-la – não se importava, não queria
viver para sempre, também, depois compensaria fazendo exercícios.
Com um prato
de lasanha em uma mão, mais uma taça de vinho em outra, sentou-se no sofá, zapeou
na televisão algo que prestasse, claro que não achou nada.
Apelou para o
Netflix, única real utilidade de sua TV na verdade, optou por um thriller
policial dos anos 80, sempre fora apaixonada pelas décadas passadas, quem sabe
essa sua agonia existia porque nascera na época errada.
Dormiu sentada no sofá – claro que dormiria, o
vinho erra seu calmante natural – acordou no meio do filme, desligou a TV e
rumou para seu quarto.
Ao deitar na
cama, mais uma vez checou Tóbby, sentiu a respiração saindo de seu nariz gelado
de cachorro e uma lambida leve e automática em sua mão, que ele dava mesmo
dormindo (se é que dormia com todo o barulho de trovões lá de fora). Recostou a
cabeça no travesseiro e apagou.
Estava em uma cidade limpa, organizada, que
possuía uma iluminação incrível, parecia que tudo era feito de marfim, as
pessoas andavam alinhadas, todas quase que uniformizadas, ninguém parecia ter
uma face definida, todos seguiam seu rumo sem interagir. Parou de seguir o
fluxo por um instante, pediu a um transeunte para onde todos iam, este
respondeu que não precisava saber para onde ia, todos estavam indo para o mesmo
lugar e era isso que sempre fizeram e seria isso que fariam até o fim de sua
existência.
Acordou
assustada, era um simples sonho. Mas percebeu que o sonho era real, não a cidade
limpa, não as pessoas alinhada, mas o rumo que elas tomavam, todas faziam parte
de um rebanho resignado, inclusive ela.
Encontrou o
motivo de sua agonia, seguia o rebanho, mas não era essa sua vontade, ela
queria ser diferente, fazer o contrário do que sempre lhe ensinaram, não queria
viver a vida que sua família a ensinou a viver. Amanhã seria diferente, daria
um ponto final em sua vida atual e começaria uma nova.
Desceu a mão
até debaixo da cama, sentiu a quente língua de seu companheiro a confortar,
levantou-se no escuro, arrastou-se pelo quarto, tateando as paredes – gostava
do escuro da noite – entrou no banheiro e fechou a porta, triste mania, se
trancar no banheiro mesmo morando sozinha.
Ao pisar no
piso gelado sentiu algo úmido no chão – droga, só pode que deixou a janela
aberta e a chuva entrou – procurou o interruptor na parede.
Quando a luz
se fez seu semblante cansado refletido no espelho sumiu e se tornou uma face de
um pavor que nunca antes tinha visto nem nos piores filmes de terror, afinal,
aquilo era realidade.
Atrás dela
estava Tóbby, pendurado, estripado. No espelho, com seu sangue, estava escrito
o seguinte “Não são só os cães que
lambem, também posso lamber ”.
No exato
momento que leu, ouviu uma trovejada e baterem na porta de seu banheiro.
BAROOOM!
KNOC! KNOC! TOC! TOC!
https://www.wattpad.com/myworks/80492248-vem-com-a-chuva
Isso ai Pedro, muito bom! Ta na hora de dá continuidade, to ansiosa! Essa historia promete!
ResponderExcluirRapaz que suspense escreves muito bem parabéns....
ResponderExcluirRapaz que suspense escreves muito bem parabéns....
ResponderExcluirRapaz que suspense escreves muito bem parabéns....
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